Por William Silva
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Com a fundação do Instituto Psicanalítico de Berlim em 1920, inaugura-se concomitantemente um modelo oficial de formação analítica: cursos teóricos, análise didática, atendimentos supervisionados. Desde então não cessam as controvérsias sobre esta questão. As divergências sobre a formação e as políticas institucionais levaram a violentas discussões e cisões no seio do movimento psicanalítico.
Os casos mais marcantes e cujos efeitos mais se fizeram sentir entre nós foram às diversas cisões:
a) na Inglaterra, com as divergências entre M. Klein e A. Freud.
b) na França, com as fundações da S.F.P. (Société Française de Psychanalyse), E.F.P. (École Freudienne de Paris), Quarto Grupo, nas quais Lacan desempenhou um papel central. c) na Argentina com o desligamento de vários grupos da APA (Associación Psicoanalítica Argentina) no início dos anos 70.
Se de fato é a questão da formação que provoca estes rompimentos, estas cisões, não será porque a partir dela os próprios fundamentos da psicanálise se colocam em questão? Não será que quando se decide por quem pode ou não ser admitido como candidato, membro ou como quisermos chamar, dentro de um determinado grupo psicanalítico, este grupo legisla sobre a legitimidade ou não de uma prática, de uma teoria?
Diz Freud, ao discutir a questão da análise leiga: "O que exijo é que não possa exercer a psicanálise alguém que não tenha conquistado por meio de uma determinada preparação, o direito a uma tal atividade". (Psicanálise e teoria da libido 1922, p.2943).
Assim, aproximamo-nos de um outro ponto que faz parte do tradicional tripé sobre o qual se âncora a formação: a teoria psicanalítica. Freud situa a psicanálise como:
a) Método de investigação dos processos anímicos
b) Um método terapêutico
c) Uma série de conhecimento assim adquiridos que formam o corpus teórico de uma nova ciência. (Psicanálise e teoria da libido, 1922, p.2661).
A afirmação de Lacan no Seminário 11, “A Psicanálise é uma práxis orientada para aquilo que no coração da experiência é o núcleo do real”.O analista só se autoriza por si mesmo “(1967): O saber é o da Docta Ignorância. O psicanalista deve saber ignorar o que sabe (Lacan, 1953-55). Salvo este, qualquer outro é posto em reserva, pois é do saber inconsciente que se trata. (Lacan, 1967) “Mas espera-se que ele tenha muitos saberes a serem ignorados, desde que é exigência para quem venha exercer este ofício de que não seja um iletrado, de preferência tenha até muitos conhecimentos”. Este requisito remonta aos tempos de Freud, como atestam as” Atas da Sociedade Psicológica das quartas-feiras “.
Falar sobre a técnica psicanalítica é envolver a pessoa do analista, na técnica intervém também o analista, e portanto, temos que referir-nos a ele e aos problemas que lhe traz sua função.
Já sabemos que a função básica do analista é criar no paciente a possibilidade de tornar consciente o inconsciente, a discórdia da personalidade é provocada pela não aceitação de suas partes pela consciência, o que constitui a causa final de todas as perturbações psicológicas. Captar ou intuir o inconsciente do paciente, seus impulsos, resistências e transferências de inconscientes e assim compreender suas situações de conflito é a primeira das tarefas fundamentais do analista. Esta "captação” processa-se através do próprio inconsciente, posto que “só o igual pode conhecer o igual", ou seja, só se pode conhecer no outro o que é próprio de nós mesmos. Mais precisamente, só se pode captar o inconsciente do outro na medida em que a própria consciência está aberta aos próprios instintos, sentimentos e fantasias, è claro que existe a captação do inconsciente do outro caso em que a consciência do analista se fecha à percepção do mesmo conteúdo que é próprio dela mesma, e ainda mais, às vezes percebe-se no outro justamente algo que dentro de nós é rejeitado. Mas esta espécie de "captação" é, em especial, a conhecida captação do paranóico, ou numa versão menos patológica, a captação paranóide, através da qual intuem-se efetivamente certas tendências inconscientes no outro, esta captação não serve realmente de modo construtivo ao analista, porque implica a mesma rejeição que esta parte dele sofreu, e porque distorce o percebido, convertendo a mosca em elefante e o elefante em mosca. O analista só pode captar no outro aquilo que já aceitou dentro de si como próprio e o que, portanto, pode ser reconhecido no outro, sem angústia nem rejeição.
É importante então que ele esteja consciente de seu próprio inconsciente. Este fato torna necessário o analista ser analisado para estar em condições de analisar o outro. E a isto se acrescenta outro fato. O trabalho do paciente de vencer suas resistências e admitir em sua consciência os complexos instintivos e emocionais do seu passado sofre a interferência do fenômeno da transferência. Freud um dia descobre que também o trabalho do analista sofre interferência de fenômenos parecidos, que também no analista surgem impulsos e sentimentos para o paciente, alheios à sua função de compreender e interpretar a resistência e os complexos infantis deste. Freud chama este fenômeno de contratransferência, uma vez que constitui o equivalente da transferência, e assinala a importância de conhecê-la e dominá-la para que não perturbe o trabalho do analista. A contratransferência constitui, portanto, o outro fato que torna necessário o analista ser analisado antes de começar seu trabalho com os pacientes.
Para tanto, no mais além da análise pessoal e do aprofundamento teórico, necessitamos de lugares de avanço conceitual que preservem o vigor analítico. Este não prescinde da afirmação freudiana (1912) de que pesquisa e tratamento caminham juntos em psicanálise, são inseparáveis, pois sua dissociação implica de imediato o desmantelamento do discurso analítico.
Embora a supervisão ocupe um papel relevante na formação analítica, lembro de alguém dizendo que a psicanálise se pratica sem rede debaixo. Existem várias posições a respeito da supervisão acredito na supervisão como um espaço de interlocução com um outro analista onde não se visa imprimir um modelo de trabalho, mas permitir que o analista continue a se interrogar sobre sua prática.
A formação analítica é, portanto interminável.
Bibliografia
"Psicoanalisis y teoria de la libido", 1922, in Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Madrid.
J.P. Valabrega, A formação do psicanalista, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1983.
M. Safouan, Jacques Lacan e a questão da formação dos analistas, Ed. Artes Médicas, Porto Alegre, 1985
Lacan, Jacques. O Seminário. Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais de psicanálise. Trad. M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
.P. Valabrega, A formação do psicanalist LACAN, Jacques. Outros Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003.a Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1983.
FREUD, S. (1926:1989). A Questão da Análise Leiga-in Textos Essenciais da
Psicanálise I. Mem Mat
Freud, S. “Neurose & Psicose” [1924]. ESB. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1982.
Análise Terminável e Interminável.